Você é um ambicioso carreirista. Você trabalha duro, sonha alto e sabe que tem o que é preciso para chegar ao topo da escada corporativa um dia. A questão é; como você faz a escalada sem alienar todos ao seu redor no processo.
Infelizmente, “ambição” às vezes pode ser vista como um palavrão, graças àquelas pessoas que perseguiram as suas próprias ao atropelar os outros, violando as regras e geralmente exercendo táticas questionáveis. Mas não tem que ser assim. Na verdade, não deveria.
Também às vezes você tem que se bajular para progredir no trabalho. Claro, você pode ficar do lado bom do chefe apenas sendo um exemplo em seu trabalho, mas às vezes a política e o ego exigem que você se congele com eles em um nível mais pessoal, bem, foi dessa forma que tudo aconteceu no ano de 1979.
Éramos 10(dez) Aspirantes a Oficial de Engenharia do Exército Brasileiro, estávamos todos lotados no mesmo 1° Batalhão de Engenharia de Combate no Rio de Janeiro, todos jovens, ávidos, com a faca nos dentes para ficar definitivamente por um bom período na única vaga aberta desse ano nessa unidade (na cidade maravilhosa), para isso, o mais conceituado perante aos Oficiais Superiores ficaria com essa vaga.
Dia após dia de trabalho duro, labutando por longas horas junto a sua Cia, desconfortável sob o interminável trabalho junto a tropa, e mesmo assim o chefe (superior) não dá atenção, nem mesmo um "obrigado". Eu ficava com esse sentimento, afinal, eu cheguei como o 02 da turma com uma afinidade e conhecimento enorme sobre engenharia de pontes.
No entanto, existia o colega José Carlos, também Aspirante de nossa turma; um sujeito de fala mansa, observador, amigo de todos, porém pouco inteligente no tocante as atribuições de um Oficial de Engenharia (EB). Mas nada se comparava com o seu jeito “baba-ovo” inconfundível desde o tempo de aluno.
Num jantar de confraternização no quartel, todos nós falávamos um pouco sobre a nossa vida antes de estarmos nas fileiras do Exército Brasileiro, e quando José Carlos começou a contar um pouco sobre sua vida ele enfatizou um período quando criança, no qual, ele foi “gandula de futebol”.
Ele narrou que no ano 1971 estava presente e trabalhando como gandula na despedida oficial do Rei Pelé com a camisa da Seleção Brasileira, em um amistoso contra a Iugoslávia, com a presença de cerca de 140 mil torcedores no estádio do Maracanã.
Um luto para o futebol brasileiro com a despedida do Rei Pelé; e José Carlos, tendo a honra de estar presente nesse evento de tamanha envergadura.
Todos nós que estávamos nessa confraternização no quartel ficamos boquiabertos com essa dádiva que José Carlos recebeu, porém, não acabou por aí, ele continuando a narrativa tirou a sua gandola e sua camiseta e disse, “vocês estão vendo essa camisa que estou usando, sim, ela é da CBD, da seleção brasileira“ e então ele virou-se e todos vimos o número 10 estampado na camisa que ele ganhou com uma dedicatória do Rei Pelé para ele.
Pessoal, essa camisa do Rei Pelé foi a última que ele usou oficialmente pela seleção brasileira, uma joia com um valor incalculável, e pertencia a José Carlos.
Passou algumas semanas, e estava para sair a conceituação de todos nós, afinal surgiu mais duas vagas para Oficiais de Engenharia no Rio de Janeiro, uma na 9ª Cia. Eng. Vila Militar e outra no Parque de Material de Engenharia.
No 1° Batalhão de Engenharia de Combate ficou o 01 da turma, eu fui agraciado com a vaga na 9ª Cia. Eng. Vila Militar, infelizmente só sobrou uma vaga, e para espanto de todos José Carlos foi agraciado com ela no Parque de Material de Engenharia. Mas como! Se ele foi o 10(décimo) da turma com conceito abaixo dos outros 7(sete) companheiros e além de tudo com uma agravante; numa montagem de passadeira no rio Guandu, ele perdeu dois pontões levados pela correnteza e isso ficou na sua ficha de conceito, além é claro, de outras besteiras feitas durante seu estágio.
Todos nós ficamos intrigados, como ele conseguiu essa vaga? No entanto, não havia outra maneira se não a de cumprimenta-lo pelo seu sucesso da vaga obtida.
Meses se passaram e José Carlos apareceu na 9ª Cia Vila Militar para falar comigo, fiquei contente por ele me procurar e trocarmos amenidades. Foi então que veio à tona um segredo contado por ele.
Notei que ele estava triste, e me confidenciando me informou que não ficou com a vaga no Parque de Material de Engenharia. Eu disse, que loucura é essa? Ele se pronunciou informando que a vaga ficou com o 07 da turma (Tenente Lira) que era sobrinho de um político influente de Pernambuco nessa época chamado de Fernando Soares Lyra.
Eu disse para José Carlos, vida se segue...toque agora o barco com outros propósitos. Ele retrucou, Mansilha, ainda não acabei de me desabafar. Eu perguntei, o que você tem mais a dizer para acabar com sua tristeza?
Mansilha, imperdoável o que eu fiz, você se lembra daquela camisa do Rei Pelé da seleção brasileira que ganhei dele autografada; eu disse, sim, me lembro, não tem como esquecer....
Pois é Mansilha, para eu ganhar o conceito e ser o ocupante daquela vaga no Parque de Material de Engenharia, “eu dei de presente a camisa do Rei Pelé ao nosso Comandante” antes dele lançar o conceito de todos nós aspirantes visando a ajuda dele para essa vaga, mas o “tiro saiu pela culatra.”
Pobre José Carlos, deve se arrepender até hoje desse feito.
Pessoal, a bajulação é poderosa. As pessoas o usam para se insinuar para ganho pessoal. Embora a maioria de nós goste de pensar que temos muito respeito próprio e dignidade para usá-las, a maioria das pessoas o faz em algum momento. Frequentemente encontramos situações em que poderíamos sugar alguém, um interesse romântico, um professor mesquinho, sogros em potencial, comandantes de quartel…. Se eles têm o poder de nos dar o que queremos ou de tornar nossas vidas um inferno, é provável que procuremos maneiras de agradá-los.
Enfim, é difícil traçar o limite em que a bajulação se torna antiética.
E quanto ao Rei Pelé, não o conheço pessoalmente, mas pelas notícias e outras formas de informação, ele é genuinamente uma pessoa muito generosa e humilde. Enquanto seu corpo range e enfraquece com a idade, o que ele conquistou o diferencia de nós, meros mortais, e o Rei se sentará em seu trono inspirando futuras gerações de superestrelas.
Feliz Aniversário Rei Pelé!
Nota: Abaixo minha foto na época.
Pense nisso.
Sergio Mansilha