Dando um inicio a um discurso as organizações foram construídas e ergueram-se baseadas em imagens.
Dessas, aquela que se constitui na metáfora máxima da organização é a da máquina: conjunto de engrenagens azeitadas, em funcionamento harmônico e contínuo, para gerar um produto ou resultado palpável. Ao trabalhar com essa construção simbólica, todos os componentes organizacionais (pessoas, estruturas, tecnicas) são vistos como peças dessa engrenagem. Tudo deve estar de tal forma disposto e ordenado que possa garantir um perfeito funcionamento da máquina.
Daí as hierarquias e suas formas piramidais, como instâncias ordenadoras. Depois, as organizações também são vistas e descritas como culturas. Redes de signos e significados organizados que expressam e ocultam as intrincadas relações corporativas. Como afirma Lotman (1979), as culturas podem ser caracterizadas como sistemas semióticos ordenados de comunicação, que determinam a própria organização sócio-cultural e a visão de mundo de uma dada coletividade. Também sob a luz dessa metáfora, as organizações podem ser apontadas como culturas hierarquizadas de códigos hegemônicos ou subordinados a uma determinada ordem ou como um sistema de modelização.
Essa ordem seria definida pela memória. O caos, aqui, está na destruição, no rompimento, da memória. Essa destruição da memória está na raiz das desestruturações impostas às organizações. Modelos, como as reengenharias, buscam apagar essa ordem, digamos histórica, e substituí-la por uma nova ordem produtiva e associativa. Só que os fracassos de suas implementações mais destróem os antigos códigos ordenadores do que constróem o novo. Mais recentemente, as organizações passam a ser descritas como organismos vivos, que nascem, crescem, interagem e morrem, num ciclo próximo do biológico.
Essa visão do organismo vivo nos remete ao aforisma de Schroedinger, de que a vida se alimenta de entropia negativa, ou seja, de que os organismos vivos buscam criar pequenas ilhas de ordem em seu interior às expensas de um aumento de desordem em outros lados. A vida depende, portanto, de um processo ordenador, da luta contra a tendência natural para o caos. A evolução é, em si, um processo ordenador. Segundo Rappoport (1976), as grandes mudanças estruturais, fisiológicas e comportamentais são possíveis porque as estruturas, a fisiologia e as pautas de comportamento se organizam sempre em conjuntos e isso acaba por intervir na produção do caos a partir da ordem e da ordem a partir do caos. A capacidade de reconhecimento da ordem parece ser, portanto, um aspecto essencial da mente (Capra, 1992:89). Segundo o físico David Bohm (1980), a ordem é inerente à teia cósmica de relações em um nível mais profundo, não manifesto.
Ele descreve o fenômeno como um holograma, em que que cada parte, num certo sentido, contém o todo. Essa visão faz com que transcendamos a metáfora do mundo e das organizações como máquina. Enterra--se, aqui, a visão cartesiana mecanicista do mundo. Daí perguntamos, enterra-se também o modelo mecanicista de administrar e de atribuir signos e símbolos às organizações?
De início, é possível afirmar que fica obsoleto o discurso que contribuiu para criar o que Etizioni denominou "quadro irreal de felicidade": a simbolização da organização como uma família ideal, onde não havia a luta de poder entre grupos com valores e interesses conflitantes. E mais, desmorona a argumentação, vendida pelos comunicados organizacionais, de que a organização era o único espaço em que o indivíduo poderia crescer, a única referência, o único ponto de apoio.
Também desmorona o antigo monopólio do controle da informação por parte dos altos escalões hirárquicos e, por conseqüência, também por parte dos profissionais de comunicação. Aliás, a circulação de informações vem sendo apontada como o grande salto oferecido pelas novas tecnologias, como as intranets, pois oferece a oportunidade de romper com os antigos feudos, ou ilhas de informação (Holtz, 1996). Isso vem contribuir para derrubar a mentalidade tradicional de que a competência deve ser medida pelo número de informaçöes úteis que o indíviduo ou o grupo detêm. Outra mudança por que necessariamente passarão as organizações é a da substituição da filosofia gerencial da racionalidade econômica e do controle. Como vimos, as alterações na ordem oferecidas pelas novas tecnologias esbarram numa cultura administrativa de exercício do poder a partir do controle da informação e dos atos das pessoas.
A mudança necessária é, em síntese, uma mudança cultural, com toda a complexidade que envolve. Esse tipo de mudança opera-se em ritmo necessariamente lento, pela substituição gradual de valores, símbolos e mitos, e só surte efeito se os membros de uma dada sociedade ou organização realmente a percebem como necessária e a desejam. Em trabalho recente, Garreth Morgan (1996) detecta várias novas metáforas organizacionais. Uma delas descreve a empresa como cérebro cibernético auto-organizativo; outra, apresenta a organização como prisão psíquica, povoada pelo inconsciente e seus fantasmas e representações de morte e imortalidade, sexualidade, ansiedade, sombras e arquétipos.
Além das metáforas de sistemas políticos e instrumentos de dominação que podem ser encontradas na vasta literatura sobre organizações (p.ex. Pagès et alii, 1987), o autor também apresenta a imagem da organização como fluxo e transformação. Certamente a mais próxima representação da atual cena organizacional, essa imagem está focada para as interações, para os círculos, para contradição e a crise.
A destruição das organizações como ícones da ordem e da eficiência exige pesquisa e interpretação atentas. Não podemos fechar nossos olhos para o fato de que, diariamente, mais e mais organizações e pessoas passam a trilhar o caminho da virtualização, da deslocalização do trabalho e da inserção global e que isso, muitas vezes, ganha dimensões caóticas. As primeiras sensações dão a impressão de que este é um caminho sem volta.
Resta-nos, como pesquisadores e profissionais, estar atentos a esse acelerado movimento, de forma a captar a riqueza da diversidade fragmentada, não para controlar a natureza e os homens, com o que ainda sonham muitos administradores, mas para aprendermos, um pouco mais, sobre o significado de nossas vidas e de nosso trabalho. Por fim, é preciso lembrar que nossas noções comuns de realidade estão limitadas à nossa experiência comum do mundo físico e que elas têm de ser abandonadas sempre que ampliamos essa experiência (Capra, 1992:84). Nesse novo mundo, a racionalização lógica já não nos oferece todas as respostas.
A própria semiótica, descrita por Peirce (1977) como também um outro nome para a lógica, e sua doutrina formal dos signos passa por profundas transformações, como a exigir novas injeções de interdisciplinariedade. É preciso, hoje, em pleno caos, derrubar os frágeis muros que ainda separam as várias áreas do conhecimento, destruir preconceitos e aprender a lidar com a diversidade.
Só assim poderemos sonhar em captar o que de há de possível ordem nesse nosso mundo caótico.
Pense nisso.....
Sergio Mansilha