Política, religião e dinheiro costumam ser tópicos tabu na mesa de jantar. Na minha família, apenas um dos três não era discutido, política, a menos que interferisse na liberdade religiosa ou no preço do pão.
Quando criança, lembro-me de
ficar confuso com o aparecimento de panfletos políticos nas mãos dos meus avós
maternos, como a época era o bipartidarismo, um apoiava os candidatos da ARENA
(Aliança Renovadora Nacional) e o outro MDB (Movimento Democrático Brasileiro).
Quando questionados, meus avós riram. Cada um afirmou que sua escolha foi a
correta, embora reconhecendo que estava cancelando o voto um do outro.
Meus avós paternos não tinham a
mesma atitude laissez-faire, especialmente durante as trocas de dinheiro.
Lembro-me de entrar na casa deles e encontrar a mesa de jantar posta como
companhia, com a comida intocada e sem uma alma por perto. O assunto do
dinheiro havia surgido, junto com a ira ardente de minha avó, então a discussão
e a refeição haviam terminado.
Com eles, aprendi o yin-yang dos
intercâmbios familiares, juntamente com o valor de equilibrar a expressão
apaixonada com o pragmatismo moderado. Quando as discussões ficaram
turbulentas, mais alto não era melhor, nem ser a maioria de um fazia você estar
certo. Mais tarde, quando meus filhos discutiram, eu os instruiria a usar suas
vozes internas, encorajando-os a resolver suas diferenças, o que ainda existe
hoje.
No discurso político, muito do
que ouvimos remete ao que meus avós chamam de "olho por olho", em que
um inflige um golpe igual ou às vezes devastadoramente superior no argumento do
outro.
A arte do debate praticada entre
os congressistas Ulysses Silveira Guimarães e Petrônio Portella Nunes na década
de 1970 refletia trocas irônicas, em sua maioria corteses. Estes foram
entregues articuladamente enquanto a fumaça era retirada de um cachimbo e
sabres de suas bainhas.
Hoje, as conversas ao redor da
mesa consistem mais em pontos de conversa superficiais do que em joias de
sabedoria. Somos rápidos em defender as opiniões dos outros sem fazer nossa
própria pesquisa, vasculhando muitas camadas para chegar aos fatos. A arte do
debate se desintegrou na manobra da isca e da degradação.
Essa pontificação política
entorpecente lembra as vezes em que minha família se sentava à mesa da sala de
jantar enquanto nosso intolerável “Tio Ramon ” embelezava e exagerava para
mostrar sua opinião. Meu avô materno, que estava lá, era profundamente surdo,
mas culto e observador. Suas interjeições foram informativas, envolventes e
intencionais.
Nesta época de altas emoções e
retórica fatalista, devemos vir à mesa para ouvir com atenção e depois nos
expressar, sem lançar insultos e com o objetivo de compreender a perspectiva
uns dos outros. A liberdade de expressão se transforma em discurso de ódio
quando expressa a mesma intolerância de que acusamos os outros. O Oxford
English Dictionary define preconceito como uma “opinião preconcebida que não é
baseada na razão ou na experiência real”.
Pessoal, não devemos ficar reduzidos
a gritar uns com os outros. Na verdade, uma pesquisa publicada numa conceituada
revista de psicologia descobriu que “gritar raramente elimina ou alivia um
problema; nem faz com que os gatilhos do grito diminuam. ”
Se escolhermos olhar para além dos panfletos políticos e não nos dispensar ou desdenhar sumariamente por causa de uma afiliação, podemos compartilhar mais do que um bairro, um escritório ou uma família.
Será então que podemos
compartilhar um futuro?
Podemos admitir que não somos
infalíveis e encontrar algum terreno comum para reunir, como temos
historicamente nos tempos mais terríveis?
Poderíamos lutar contra a atual
pandemia em vez de uns contra os outros?
Enfim, por mais disfuncionais que
pareçamos ser, no final do dia precisamos estender os braços para alcançar o
bem comum pelo qual professamos estar trabalhando.
Pense nisso.
Sergio Mansilha