quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Como alcançar o bem comum?

Política, religião e dinheiro costumam ser tópicos tabu na mesa de jantar. Na minha família, apenas um dos três não era discutido, política, a menos que interferisse na liberdade religiosa ou no preço do pão.

Quando criança, lembro-me de ficar confuso com o aparecimento de panfletos políticos nas mãos dos meus avós maternos, como a época era o bipartidarismo, um apoiava os candidatos da ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o outro MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Quando questionados, meus avós riram. Cada um afirmou que sua escolha foi a correta, embora reconhecendo que estava cancelando o voto um do outro.

Meus avós paternos não tinham a mesma atitude laissez-faire, especialmente durante as trocas de dinheiro. Lembro-me de entrar na casa deles e encontrar a mesa de jantar posta como companhia, com a comida intocada e sem uma alma por perto. O assunto do dinheiro havia surgido, junto com a ira ardente de minha avó, então a discussão e a refeição haviam terminado.

Com eles, aprendi o yin-yang dos intercâmbios familiares, juntamente com o valor de equilibrar a expressão apaixonada com o pragmatismo moderado. Quando as discussões ficaram turbulentas, mais alto não era melhor, nem ser a maioria de um fazia você estar certo. Mais tarde, quando meus filhos discutiram, eu os instruiria a usar suas vozes internas, encorajando-os a resolver suas diferenças, o que ainda existe hoje.

No discurso político, muito do que ouvimos remete ao que meus avós chamam de "olho por olho", em que um inflige um golpe igual ou às vezes devastadoramente superior no argumento do outro.

A arte do debate praticada entre os congressistas Ulysses Silveira Guimarães e Petrônio Portella Nunes na década de 1970 refletia trocas irônicas, em sua maioria corteses. Estes foram entregues articuladamente enquanto a fumaça era retirada de um cachimbo e sabres de suas bainhas.

Hoje, as conversas ao redor da mesa consistem mais em pontos de conversa superficiais do que em joias de sabedoria. Somos rápidos em defender as opiniões dos outros sem fazer nossa própria pesquisa, vasculhando muitas camadas para chegar aos fatos. A arte do debate se desintegrou na manobra da isca e da degradação.

Essa pontificação política entorpecente lembra as vezes em que minha família se sentava à mesa da sala de jantar enquanto nosso intolerável “Tio Ramon ” embelezava e exagerava para mostrar sua opinião. Meu avô materno, que estava lá, era profundamente surdo, mas culto e observador. Suas interjeições foram informativas, envolventes e intencionais.

Nesta época de altas emoções e retórica fatalista, devemos vir à mesa para ouvir com atenção e depois nos expressar, sem lançar insultos e com o objetivo de compreender a perspectiva uns dos outros. A liberdade de expressão se transforma em discurso de ódio quando expressa a mesma intolerância de que acusamos os outros. O Oxford English Dictionary define preconceito como uma “opinião preconcebida que não é baseada na razão ou na experiência real”.

Pessoal, não devemos ficar reduzidos a gritar uns com os outros. Na verdade, uma pesquisa publicada numa conceituada revista de psicologia descobriu que “gritar raramente elimina ou alivia um problema; nem faz com que os gatilhos do grito diminuam. ”

Se escolhermos olhar para além dos panfletos políticos e não nos dispensar ou desdenhar sumariamente por causa de uma afiliação, podemos compartilhar mais do que um bairro, um escritório ou uma família.

Será então que podemos compartilhar um futuro?

Podemos admitir que não somos infalíveis e encontrar algum terreno comum para reunir, como temos historicamente nos tempos mais terríveis?

Poderíamos lutar contra a atual pandemia em vez de uns contra os outros?

Enfim, por mais disfuncionais que pareçamos ser, no final do dia precisamos estender os braços para alcançar o bem comum pelo qual professamos estar trabalhando.

Pense nisso.

Sergio Mansilha




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