Não obstante às semelhanças entre os policiamentos, enquanto os serviços privados priorizam a prevenção de perdas e a minimização dos danos das vítimas, as forças públicas agem sempre (ao menos idealmente) em função do cumprimento estrito das normas legais e da punição dos agressores.
Focada mais nas vítimas do que nos agressores, a segurança privada está mais propensa a agir de acordo com princípios da justiça restaurativa, conferindo maior informalidade na resolução dos conflitos de forma a minimizar os riscos de novas ofensas ou mesmo de forma a restituir os prejuízos sofridos em acordo direto com os ofensores, o que muitas vezes pode ser preferível para os clientes, sobretudo para as empresas que contratam serviços de segurança, que buscam resolver os problemas de forma rápida e sem a necessidade de envolver-se com os inconvenientes do sistema de justiça criminal.
Além das duas correntes fundamentais quanto ao pensamento político a respeito da relação entre o policiamento público e o policiamento privado (centralização e liberalismo), identifica-se a existência de uma visão “pluralista” que questiona a força dos Estados-Nação, reconhecendo uma tensão desencadeada pelas transformações decorrentes da abertura ao mercado, que pode ser visualizada em diversos campos.
Essa tensão se desenvolve em dois planos: em primeiro lugar, os pluralistas vêem uma fragmentação que nega ao Estado sua posição privilegiada, levando à erosão de sua autonomia; em segundo, uma deterioração (ou embasamento) da distinção entre público e privado. O que estaria de fato em jogo seria uma “mudança fundamental na localização da responsabilidade pela garantia e definição da paz”, com unidades soberanas e posições de autoridade sem ordem horizontal ou vertical, com a coexistência de “governos privados” corporativos e governos de Estado, operando “uns nas sombras dos outros”, entre as brechas deixadas pelo poder público.
Essas transformações teriam um significado mais profundo: a despeito da lógica econômica dessas transformações, há conseqüências políticas importantes que devem ser consideradas; a emergência da segurança privada teve consideráveis implicações para a organização social e política na medida em que essa produz um novo sistema difuso, em que o poder de coerção se encontraria disperso em uma rede fragmentada em que os agentes não ocupam posições hierárquicas definidas.
Os argumentos e as explanações acerca desses processos em torno do fenômeno da expansão da segurança privada têm dividido a opinião de alguns dos principais especialistas no assunto. Essa transformação evidencia um processo de “reestruturação do policiamento”, que se dá pela transformação dos atores envolvidos na oferta e na delegação, do Estado para entidades não governamentais, da responsabilidade sobre a segurança.
Essa reestruturação do policiamento seria marcada por dois fatores: o crescimento da segurança privada, que em muitos países ultrapassou o contingente das forças públicas e a ampliação do policiamento comunitário, que modifica as características tradicionais das atividades policiais. A separação entre as funções de autorização e provisão do policiamento e a transferência de ambas as funções para além do governo são elementos essenciais para a compreensão dessas mudanças, que evidenciam a multiplicidade de atores envolvidos com a segurança na atualidade.
O policiamento é atualmente autorizado sob a responsabilidade de cinco categorias distintas (que são os demandantes do policiamento): interesses econômicos (os mais comuns são as empresas que provêem sua própria segurança ou terceirizam esse serviço); comunidades residenciais (sobretudo os condomínios de casas ou de apartamentos que requerem controle de acesso, patrulhamento e vigilância); comunidades culturais, onde a segurança pode ser formada por grupos de indivíduos que partilham práticas culturais (por exemplo, a “Nação do Islam”, ou “Black Muslims, nos Estados Unidos); indivíduos (no caso, desde procedimentos de autodefesa e minimização do risco até a instalação de equipamentos e contratação de empresas para proteção contra seqüestros ou outras ameaças à segurança); e governo, que tem encorajado e facilitado a atuação de forças não-governamentais na segurança, constantemente requerendo a contratação de vigilantes para órgãos públicos e tornando-se assim um de seus principais consumidores.
Por sua vez, o policiamento é provido por companhias comerciais (entre as quais as mais comuns e difundidas são as grandes indústrias de segurança privada); agências não-governamentais autorizadas para o policiamento (nongovernmental authorizers of policing), que se remetem tanto a um vasto leque de organizações coletivas que realizam serviços destinados à segurança como às empresas que, ao invés de contratar serviços especializados das empresas de proteção, constituem o seu próprio organismo de segurança (segurança orgânica ou in-house security), como vemos em alguns bancos, em organizações comerciais e industriais diversas e em prédios de apartamentos, condomínios fechados ou residências; por indivíduos, ao se responsabilizarem por ações protetivas em nome de outros, por exemplo, como voluntários de grupos de patrulha de bairros; e também pelo governo, com a prestação de serviços privados para indivíduos ou comunidades específicas, realizados pelo policiamento público mediante pagamento.
Além disso, é cada vez mais freqüente a prática da cobrança, pelas forças públicas de algumas localidades, por serviços que anteriormente não eram remunerados, como a resposta a alarmes residenciais.
Com essa multiplicidade de agentes, a responsabilidade pelo policiamento passou a ser compartilhada com a sociedade e a iniciativa privada, em um processo de gradual ampliação do controle social.
Além das novas formas de policiamento comunitário que vêm ganhando espaço em diferentes sociedades, esse processo se evidencia na expansão dos mecanismos de vigilância instalados em casas, empresas e edifícios e no envolvimento cada vez maior da sociedade nas tarefas de policiamento e prevenção do crime.
Por. André Zanetic
Em colaboração. Sergio Mansilha